quinta-feira, 17 de abril de 2008

Sexo, sociedade e desejo - Um grande lugar-comum

Esse é o cenário descrito no livro Sexo de André Sant’ana.
Um livro memorável que trata de assuntos triviais, como o próprio título sugere.
Vale a pena ser lido...


André usa no seu texto uma forma pouco convencional de dirigir-se aos personagens. Ao invés de dar nomes, utiliza suas características, o que confere à trama um sentido amplo. Não focaliza somente uma pessoa, aquele personagem em si, mas todas as pessoas com as mesmas características, as várias personagens da vida real.
André traz no livro uma reflexão sobre a futilidade em que a vida pode se tornar. Mostra que as pessoas tentam viver de aparências e que independentemente da classe social, raça e sexo, o ser humano vive em torno do mesmo núcleo chamado desejo. Ricos, pobres, gordos, pretos, loiros, estudados ou analfabetos, todos tem no sexo uma fonte de prazer ou escape. Todos procuram no sexo um momento de relaxamento, autoconfirmação ou mesmo extravasão, perdendo muitas vezes, todos os pudores.
O autor brinca com a monotonia do cotidiano, fazendo do jogo de repetição dos nomes ou nomenclaturas, uma saga cíclica, que expõe através dessa forma de escrita o comportamento cotidiano, padronizado da sociedade, de como o ser humano é vil e recheado de falsos pudores, de falsos padrões, vivendo sob estereótipos. Exemplo disso são todos os jovens executivos, presentes no livro. Eles usam os mesmos tipos de roupas, compradas nas mesmas lojas, os mesmos tipos de carros, freqüentam os mesmos lugares, como se fosse uma estratégia para reforçar seu posicionamento. Assim como os executivos mais velhos, que usam óculos de grifes famosas, viajam para os mesmos lugares por recomendação de outras pessoas na mesma posição social, vivem casamentos de fachada, relacionamentos frustrados, que os obrigam a procurar diversão extraconjugal, até mesmo com suas subordinadas.
O texto é de uma ironização formidável, que só ganha clareza se o leitor tiver espírito crítico. Caso contrário corre o risco de considerar o livro chato e cansativo e de não entender o tom sarcástico usado por André, que reforça que todo ser humano é igual na hora do desejo sexual. Todos querem obedecer a seus instintos, sexo selvagem, seja com seu parceiro ou com formas alternativas. O autor deixa claro que, quase sempre, sexo não está ligado com amor, e muitas vezes é usado como uma nova experiência em busca de um prazer ainda não conhecido, caso da Secretária Loura Bronzeada Pelo Sol. Ou casos comuns da perda do desejo pela parceira, como é caso do Marcelo, marido da Jovem Mãe de Róseos Mamilos, um dos únicos personagens que recebe nome no livro, talvez por quebrar a regra de não se submeter-se à obrigação do casamento. Caso também do Executivo de Óculos Ray-Ban que após perder o desejo pela sua esposa com Mais de Quarenta, precisa fantasiar sexo com atrizes para tentar cumprir seu papel de marido, ou o Encarregado da Firma que por estar abaixo dos níveis sociais impostos, se vê obrigado a transar com a Gorda que Cheira Perfume Avon para satisfazer seus instintos.
O livro demonstra também, a vontade de agradar o parceiro, como acontece com Esposa com Mais de Quarenta, ao permitir-se sexo anal com seu marido, e tenta parecer espontânea. Ou as jovens noivas loiras, dos jovens executivos, que aceitam o sexo anal aos prantos, e deixa quebrar a visão social de boa moça. Exemplifica as dúvidas e os medos, como é o caso dos jovens meio-hippies ao sentirem obrigados a transarem pela primeira vez, o que acarreta a perda da primeira paixão após uma primeira transa frustrada, problemas resultantes da falta de diálogo, que em nenhum momento prevalece, que não consegue superar as curiosidades e os problemas, obrigando-os a buscarem orientações em revistas, independente de idade e classe.
Aborda também, o interesse financeiro que vira paixão, como é o caso da Apresentadora Loira do Programa de Variedades, que após transar, acaba por apaixonar-se pelo Negro que Não Fedia, mas que antes fedia, que mostra que mudança é questão de oportunidade e esforço, quando ele se transforma em um famoso cantor de reggae.
Aponta a questão da estética, ditada nas relações, que submete as pessoas fora dos estereótipos e dos padrões ditados pela sociedade, a procurem se satisfazer da forma que conseguem, caso da Gorda que Cheirava Perfume Avon e do Encarregado da Firma. O lado dos fetiches, que podem ser mirabolantes aos olhos da sociedade, tendo exemplo como o do Japonês da IBM, que gosta de se masturbar olhando revistas de mulheres muito gordas nuas, atitude que poderia tornar-se inaceitável ante o seu meio, de bem-sucedidos e inteligentes. A paixão e a mudança de atitude diante da vida, como aconteceu com o Negro que Fedia e a Cobradora do Ônibus no qual ele Negro que Fedia Voltava Para a Casa Todos os Dias Às Seis Horas da Tarde, que para se permitirem ao prazer precisam da aceitação e da orientação de uma força que julgam maior do que sua insignificância.
Todas estas e outras complexas situações estão contidas em menos de cem páginas, apenas com citações dos atos sexuais de cada personagem.
André Sant’ana soube usar a palavra da melhor forma para discutir a banalidade que é a vida, sem citar detalhes, diálogos complexos, apenas referindo-se ao cotidiano de algumas pessoas, estereótipos de uma sociedade ditadora de regras e modos, que pode representar grande parte do mundo. Sociedade hipócrita, sagaz, que trata seu povo com mãos de ferro e acima de tudo com prisão da personalidade.