quarta-feira, 12 de novembro de 2008

A vida em gêneros

Não importa o som, a melodia, o estilo. A música tem que ter sua função, independente de qual seja ela. "A música, entre todas as artes, é a que mais se aproxima desse belo sustenido chamado Deus", disse certa vez Otto Lara Resende. Quem sabe não é mesmo uma forma de Deus nos ouvir?

É impressionante como algumas coisas na vida da gente se confirmam. Hoje pensei em escrever algo que falasse de música, uma das minhas paixões. Aproveitei que estou melosa e como diria um ex-chefe, sorumbática. Mas é que essa semana estou empolgadíssima com a possibilidade de assistir a um show de Frejat e Nando Reis, juntos. Ai, ai.

Pensei nesse texto, enquanto tomava banho, um banho daqueles bem demorado, por causa do cabelo, que eu estava lavando. Ao pensar em uma música, ignorando quase todas do Frejat que não saíam da minha cabeça, lembrei de um funk que ouvi esses dias. Sinceramente não sei o nome e nunca o tinha ouvido antes, mas é de autoria dos MC's Bloco e Bruninho, de Contagem. Por questões pessoais, o nome do Bruno me veio a mente, mas o funk insistentemente ficava em minha cabeça, suprimindo, até mesmo, seu compositor. Deixei todos meus preconceitos de lado e, pensei em falar sobre o tema, quando lembrei de alguns trechos da letra que retrata, tão bem, uma realidade que nos cerca tão de perto.

Acabei o banho. Mais tarde pelo msn, o mesmo MC Bruninho pediu minha ajuda para terminar sua revista sobre funk. É o segundo número, e ele quer caprichar. Vou fazer um merchan pra ele aqui, de leve, é a “Raiz do Funk”. Eu mais que depressa, resolvi ousar e pedi a ele pra escrever um artigo pra revista. Não sei pra quê, talvez para impressionar, sei-lá, para mudar os ares. Já não importa mais. O Bruno, como já me conhece, cheio de temor, me deixou na corda bamba e fez questão de esclarecer que a revista é segmentada e direcionada. Indiferente e com certo medo, mas como jornalista que sou, aceitei o desafio para escrever algo sobre o lado bom do funk.

Mas nessa crônica, como o blog é meu, escrevo o que eu quero. Deixa as regras e formalidades para os especializados. Mas não vou falar mal do funk não, mesmo porque, juízos de valor não cabem a mim. Meu objetivo aqui, é retratar a realidade, o viver social, mostrados em diversas músicas, indiferente de gêneros.

Dia desses, babando pelo Frejat e na possibilidade de assistir ao show, fui para a internet procurar letras de algumas músicas que não sei cantar por inteira (é que detesto não saber cantar as músicas em shows). De repente deparei com a letra de “Homem não chora”, e parei pra analisá-la, outro costume meu, de viajar nas letras das músicas. Analiso tudo, encaixo na minha vida, na dos outros, é a maior neura. Mas a música fala assim: “Homem não chora; nem por dor, nem por amor. E só porque eu estou aqui, ajoelhado no chão, com o coração na mão, não quer dizer que tudo mudou; Meu rosto vermelho e molhado, é só dos olhos pra fora; Todo mundo sabe, que homem não chora”, e assim vai.

A princípio, alguns não entendem nada, para outros pode ser somente mais uma canção melosa. Mas no fundo, retrata uma sociedade mesquinha, machista e cheia de preconceitos. Foi estabalecido que homem não pode sofrer, não pode chorar, não pode amar, não pode ser mole. Tem que ser estátuas, gélidas e inertes. Nos ensinaram que homem expressar sentimentos é feio, desvalorizador e incoerente. Então, com essa visão retrogada, desde cedo, meninos tem que conviver com a realidade de enfrentar tudo, todos os problemas, engolindo a seco, com nó na garganta.

No fundo, Frejat deu um grito. Um alerta contra as forças dominadoras de uma sociedade tão injusta. Mas o que isso tem a ver com o funk? Nada, e tudo. É por que cada um fala daquilo que sente, faz aquilo que sabe. Deus diz que a boca fala, daquilo que o coração está cheio. Não interessa o rítmo, o estilo. Inteligente é quem sabe aproveitar a indústria a favor daquilo que queremos, em nome daquilo que pode acrescentar algo para o bem comum.

Essa inspiração também veio em parte de uma conversa. É que no fim de semana estava de papo com o Pedro, uma querido amigo, sobre músicas. Racionais, Facção, 509 E e MV Bill foram nomes que surgiram como exemplo de revolta, de esperança, de experiências e de sabedoria, quanto ao uso da mídia. Pedro, um fã de hip-hop, me recomendou ouvir a música “Pensamentos” do SNJ. Ouvi. De novo me deparei com a retração de uma realiadade que de tão comum, já se tornou rotineira. Então me lembrei, novamente da música que se tornou a chave desse texto. Hoje, pra terminar essa crônica, ouvi novamente a música, que ainda não sei o nome, e tive, sinceramente, uma grata surpresa, que talvés quem me ouça falar, ache um paradoxo.

Porém, a letra não é só retratação da realidade, mas a forma poética que MC's Bloco e Bruninho deram a letra, merece uma análise bem mais profunda, no jogo que fizeram entre as palavras e os acontecimentos. A música em questão fala de uma Vila em Contagem, sobre a história de um garoto, ou de vários garotos, arrependidos e, ao mesmo tempo, indiferentes, discrentes com o que vivem. A música começa assim: “No Marimbondo a chuva descia, mamãe lavadeira trabalhava em casa de família”... Após alguns trechos, depois de contar sobre as dificuldades enfrentadas, sobre situação de fome, os MC's retratam o que antes era estável, a casa, se desmorona, assim como a vida, “Marimbondo barraco na chuva descia”... o que faz alusão as diversas intempéries que muitas vilas, favelas e conglomerados sofrem com as enchentes e desmoronamentos.

Após contar as crueldades sofridas, a falta de atenção das autoridades, falar sobre a necessidade de políticas públicas, que podem interfirir de forma positiva nessas situações, vem o trecho “ era assim que o moleque dizia, era assim que o moleque falava, no beco da Marimbondo, ao repórter que o entrevistava.... Mais adiante, conta que o menino começou andar armado, porque já tentaram matá-lo, contas as agressões sofridas do pai, um desemprego e alcoolizado. Nesse momento, o moleque já não é mais um menino, mas se torna um adulto, um homem que não chora; se torna um guerreiro; “era assim que o guerreiro dizia, era assim que o guerreiro falava, no beco da Marimbondo, ao repórter que o entrevistava... É o retrato do condicionamento. Muitas veses as esolhas são nossas, outras, escolhem pra gente.
O menino perde perdão e se justifica; “Não tive chance, não nasci herdeiro não, só fiz o que achei certo, peço a Deus o perdão”. Em outro ponto ele fala sobre a mãe e acrescenta, “desculpe Seu doutor, mas se é pra chorar minha mãe, chora a deles primeiro”.

Em resumo, é isso a música. O que me fez lembrar de outro funk, agora do Mc Dodô, que trata da situação de uma prisão: “As chances eram poucas de ver a sua côroa; solidão vai corroendo, carência que destrói por dentro... é linda a juventude que pre-sinto em mim; pois a justiça vem de cima, O Senhor é meu pastor, nada me faltará; pela porta da frente de cabeça erguida, pedi perdão a Deus e vou pregar a vida...

E a ligação com a música do Frejat, que fala de dor de cutuvelo? É a seguinte. Não é por causa da situação em si. Mas pelo condicionamento existente na nossa sociedade. Quando na minha monografia, estudei sobre as obras de MV Bill e Celso Athayde, “Meninos do tráfico”, vivia com os olhos inchados, tocada com os dramas reais. Mas notei, que os dramas existentes, nas várias histórias de periferia, gira em torno de uma mãe, geralmente, adorada pelos filhos envolvidos com algum tipo de crime, da inexistência de um pai, ou um pai problemático, ausente ou viciado; das mães que são arrimo de família, e de um garoto, que se vê obrigado a assumir as responsabilidades da casa. Muitos matam, roubam, traficam, se drogam, tornam-se pais ainda adolescentes, em contraponto com as suas mais duras críticas, mas é impressionante como não perde a veneração pelas mães e nem o temor a Deus, salvo excessões. Os MC’s contaram, em poucos minutos, a realidade de uma vida inteira.

“Quando seu moço nasceu me rebento, não era o momento dele arrebentar; Já foi nascendo com cara de fome e eu não tinha nem nome, prá lhe dar”... Chico já retratou isso a muito tempo. Com tanta carga sobre os jovens, oriundas de uma sociedade sem conteúdo, egoísta, sem amor ao próximo, com oportunidades escassas, realmente homens não choram, não há tempo para isso. Não é porque não sentem vontade de abrir a boca, é que não é permitido. Quando não estão preocupados com seus afazeres, estão preocupados com que os outros homens, os doutores, os outros bandidos, os outros playboys, os outros alcoolizados, os outros pais vão pensar. Desse jeito, realmente, meu rosto vermelho e molhado não é pelo choro, deve ser pela vergonha de dar tanta explicação a uma sociedade que não nos dá escolhas.

E as músicas, que bom ver que retratam isso, enquanto fogem da banalidade, da sensualidade exacerbada. É muito bom ouvir uma música, com uma letra consciente, uma melodia bonita, combinações de tantos fatores, tais como frustrações, amores, expectativas. Guerras, brigas, desavenças, falta de esperança, já ta cheio o mundo. Que Brunos, Blocos, Dodôs, Frejats, Bills e tantos outros, vejam a música sempre como possibilidade de se abrirem, de propor mudanças, de pregar a boa convivência. Se conseguirem isso, já fizeram sua parte.

E quanto ao show, pra minha tristeza não consegui confirmar... snif, snif...

Ah! Isso foi ontem. Hoje confirmei, vai ter show sim... Iupiiiiiii, to lá!!!!


3 comentários:

Anônimo disse...

legal seu blog...

num deu pra ler tudo não... num prometo ler nem ao menos comentar, num cabe a mim fazer isso.

ja ta melhor?

espero que sim.

Warley

Anônimo disse...

Acessei seu blog. Muito ver você nessa atividade toda.

Beijus

Anônimo disse...

Sheila, amei seu blog!
Até me inspira lê-lo!
Vc escreve mto bem! =D
Adorei ter te conhecido...
Saudade...

P.S.: Add vc no MSN!
Mande os e-mails qdo tiver tempo.*

Elizaa