terça-feira, 20 de outubro de 2009

Doação

Doar: Ceder gratuitamente a outrem...


Ser doador em vida chega a ser engraçado.
Você dá uma parte de você para uma outra pessoa viver um pouco melhor.
Ela vive, e você que doou vive também.
As vidas se misturam. Um pedaço de você tá lá, outro tá com você ainda, ou nem tanto.

Aí eu pergunto: quem vive com uma parte sua, torna-se você também?
Acho que sim. Doei uma parte de mim. Uma parte vital. Vivia muito bem sem ela.
Ele, que recebeu, também vivia bem com ela, pelo ao menos, achava eu.Mas de repente começou a tão temida rejeição, pânico de todo transplantado.
Os medicamentos já não são suficientes. Os médicos avisaram que quando a rejeição é muita, é preciso de um novo transplante.

Mas quando a rejeição começou nele, a parte em mim onde o que foi doado foi retirado, começou a sangrar. Assim, sem mais nem menos. E não quer mais parar.
Para piorar, a parte que doei e foi rejeitada por ele, já não pode ser devolvida a mim.
Ele então a retirou, por causa da sua rejeição. Como meu corpo já não a recebe de volta, estou sem saber o que fazer.

A certeza é que ele encontrará outra doadora, assim, com certa facilidade. A minha dúvida é: e eu? A minha parte entreguei a ele, e ela já não encaixa de volta. Bem, uma parte do corpo, fora dele, não tem serventia. Então com certeza, ele a vai jogar no lixo, assim, meio sem jeito, mas vai pro descarte.

Só que agora, o lugar não para de sangrar mesmo. Não há também nada que possa encaixar no lugar. É preciso parar de sangrar. Mas o médico já me desenganou: “Sua parte doada vivia porque ele a alimentava, agora, que já não é mais alimentada, ela vai morrer”.

A certeza que tenho agora é que ela vai morrer, mas eu ainda não, a parte de onde ela foi retirada vai coagular, uma hora vai ter que parar de sangrar. Mas já fui alertada. Vou virar zumbi, porque o que tinha de mais essencial em mim, foi o que doei e mesmo cicatrizado, acabou, vai ficar vazio. Já não dá pra viver e nem mesmo morrer eu vou conseguir.

Mas fica aqui a dica: apesar de tudo, a doação é necessária. Se pudesse voltar atrás, doava de novo. Se hoje, meu coração nele foi rejeitado, valeu pelo tempo em que bateu em seu peito, forte e com vigor. Então hoje, ao ver meu peito sangrar e meus olhos se anuviarem, fecho os olhos e sinto seu peito encostado ao meu, e a lembrança das batidas me acalmam e faz com que eu consiga viver mais um dia, assim, sem graça, sorumbático, mas... viver ainda é necessário.

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