quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Quando as cortinas não se abrem


Acabei de acender um cigarro.
Enquanto dou uma tragada sôfrega, volto os olhos para a brasa que queima, aos poucos e lentamente o papel branco, o fumo e todas as coisas que lá estão. Consumo-o aos poucos, enquanto de gole em gole, sugo a vodka pura que está em meu copo, quente, forte e ardente, assim como está o meu peito hoje.

Jogada no sofá, com o braço estendido na almofada e cabeça curvada sobre o encosto, consigo ver ainda, a chama das velas a queimarem sobre a mesa. Peças do jantar que não se encenou. Encho de novo o copo, quase sem forças, e dou mais tragada em meu cigarro, com aquele gosto de pavor misturado ao mentolado daquela desgraça. O cigarro, a minha vida e o porre que está se iniciando.

Olho de novo para a mesa. Os dois lugares, as velas, os pratos, as taças e o vazio. Foda-se! Penso. Mas era justamente isso que era para ser. Uma fodeção total, regada a vinho, beijos e ao molho madeira com palmito e champinhom que ainda cobre a carne na travessa.

Tento olhar indiferente para o cenário montado atras de mim. A garganta é apertada por um nó. Um nós seco, misturado a fumaça, a vodka, ao choro que não quer sair. As velas queimam, e também queima a minha garganta com mais um gole, e ai!, queima meu dedo com o cigarro. Filho da puta! O filtro cai, sem coragem de levantar, apenas piso para apagá-lo. Coisa horrorosa de se ver. Mas hoje é assim, estou completamente fora dos padrões.

Foda-se tudo! As velas, o vinho, o molho madeira e até o palmito. Enquanto isso, tomo mais trago da vodka. Terceiro copo. A cabeça roda, e roda com ela as imagens, o espetáculo que não aconteceu, os beijos que não vieram, seu rosto refletido na vodka. O corpo fica pesado, a cabeça se despende mais para o lado. Quase já não enxergo o cenário, nem mesmo a luz das velas, nem a cor vermelha das pétalas espalhadas pelo chão.

Ouço a sua voz. Pissiu, silêncio! Ouço, ouço mesmo, assim, baixinho. Ouço também meu coração, chorando, acelerado. Respiro fundo e grito pra você: fala mais alto! Nada! O último gole do copo, despejo o resto do meu corpo no sofá e nada... fala de novo, só mais uma vez, por favor, suplico e nada. Me agito. Apenas um estrondo, a garrafa cai e se quebra. Pronto, quebrou tudo, a anestesia, o sonho, quebrou a esperança de te ver encenando mais uma vez comigo aquela dança. Sem força, os olhos se fecham. Amanhã é aguentar a dor, principalmente, a de cabeça.

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